O termo Recreação é
hoje passível de análise por muitas óticas diferente. Para Uvinha (2004), “A
recreação pode significar muitas coisas para muitas pessoas. É uma palavra que
é reconhecida, em uso comum, e ainda é raramente definida de forma clara. Para
alguns, ela pode ser usada intercambiando com o conceito de ‘lazer’;
para outros, ela tem conotação mais específica, que define e distingue uma
distinta área comportamental.” (4)
Aqui optaremos por distinguir a
Recreação de maneira bem específica, como uma manifestação cultural que se
caracteriza por divertir e entreter o indivíduo que dela participa. É por
essência uma prática lúdica onde a participação busca ser prazerosa e produzir
no individuo ou na sociedade um movimento de mudança positiva, de renovação, um
revigorar da mente ou do corpo, ou ainda de ambos.(6)
Em seus estudos Silveira propõe que
"uma vivência recreativa típica sugere ser conduzida ou promovida por um
profissional especialista ou instituição recreativa, e pode ter objetivo puro
de diversão e entretenimento, bastando-se em si mesma, assim como pode visar um
ganho adicional, intelectual, social, emocional, terapêutico, físico, entre outros." (7)
A prática recreativa não é algo que
possa ser pré-definida por um período do dia, por um tema ou por um local e não
está relacionado a um fazer em específico. Está mais relacionado a uma
motivação, ao que leva o indivíduo àquela prática ou vivência, assim como a
abordagem lúdica e prazerosa no transcorrer destas. Na prática, o que para
muitos pode ser trabalho, ou estudo, para outros pode ser recreação, por
exemplo, para um músico profissional tocar um instrumento ou estudar partituras
é trabalho. Este mesmo músico pode passar divertidas horas pescando e se
recreando. Para um pescador profissional, por outro lado, pescar é trabalho
sendo que talvez tocar um instrumento ou estudar uma partitura é que possa
garantir-lhe boas horas de recreação!
Para melhor compreender a recreação
talvez valha a pena entender melhor também os termos que, por afinidades,
cercam esta área e se relacionam intensamente com ela.
História da Recreação
Segundo Gomes e Elizalde (2012), a
principal abordagem remete, inevitavelmente, aos Estados Unidos. Para
compreender a recreação como um fenômeno social/educativo é necessário
retroceder ao final do século XIX, quando ocorreu uma ampla difusão do
recreacionismo. Essa proposta propiciou a sistematização de conhecimentos e
metodologias da intervenção para crianças, jovens e adultos. Esses
conhecimentos fundamentam-se na sistemática da recreação dirigida, que fomentou
a criação de espaços próprios para a prática de atividades recreativas
consideradas saudáveis, higiênicas, moralmente válidas, produtivas e vinculadas
à ideologia do progresso.
Ressaltamos que os fundamentos aqui
destacados indicam as raízes da recreação institucionalizada, e não a dos
divertimentos e das experiências recreacionais que sempre integraram as
culturas humanas. É importante esclarecer esse aspecto, porque muitas vezes se
observa uma tendência a confundir a história das manifestações culturais
lúdicas com a história das propostas de recreação que foram sistematizadas e
institucionalizadas nos Estados Unidos.
Baseando-se nos estudos de R. V.
Russell, Salazar Salas salienta que a recreação foi constituída nos Estados
Unidos a partir de duas frentes que promoviam o jogo para a população infantil
e que foram crescendo e envolvendo os governos locais e nacional, assim como pessoas
que formaram organizações, buscaram fundos e escreveram textos com o seguinte
objetivo:
(...) educar as pessoas a usar
positivamente seu tempo livre. A filosofia dessa época era ajudar as pessoas
mais necessitadas e sem educação. É por isso que a filosofia e a missão
original da recreação estadunidense se centraram em oferecer atividades que
enriquecessem e melhorassem a qualidade de vida das pessoas participantes.
Uma dessas frentes foi caracterizada
pela criação de Hull Houses, que eram casas comunitárias encarregadas de
oferecer diversos serviços sociais: aulas, informações relacionadas aos
direitos civis e ao trabalho, serviços de enfermagem e atividades recreativas,
baseadas no desenvolvimento de jogos para as crianças menores, esportes, clubes
sociais para crianças e adolescentes, programas culturais para as pessoas
adultas. A autora ressalta que a primeira Hull House foi criada por Jane Addams
e Ellen Starr, sendo a iniciativa desenvolvida em Chicago e tendo sido fundadas
mais de 300 em outras cidades. Nessa Época, os Estados Unidos passavam por um
intenso processo de industrialização e de urbanização, havendo poucas áreas
livres para o desenvolvimento de atividades recreativas.
A outra frente que constitui as origens
da recreação norte-americana está relacionada com a criação de playgrounds, que
posteriormente serviram como modelo para os centros de recreação, praças de
esportes e jardins de recreio difundidos por vários países latino-americanos.
Procurando contribuições nas
experiências e nos conhecimentos produzidos na Europa, o primeiro playground
dos Estados Unidos, criado no ano de 1885, foi inspirado nos parques infantis
de Berlim, na Alemanha. Em 1925 já existiam 8.115 centros de recreação (nova
denominação dada a esses espaços), sendo criados 635 apenas no ano de 1924,
quando 80 cidades realizaram 123 acampamentos de verão para crianças e jovens.
A grande repercussão do recreacionismo inaugurou um novo estilo de vida nos
Estados Unidos, fomentando novas frentes de formação e de atuação profissional,
estruturando assim as bases da recreação como um serviço a ser prestado. Com a
ajuda de instituições como a Young Men’s Christian Association (YMCA) –
Associação Cristã de Moços (ACM) na língua portugesa –, nas primeiras décadas
do século XX o recreacionismo foi difundido rapidamente por diversos países,
alcançando especialmente a América Latina.1
No Brasil
Baseado em Gomes e Elizalde (2012), no
Brasil, os registros do brasileiro Frederico Gaelzer, feitos nas primeiras
décadas do século XX, são uma das evidências dessa afirmação. Com o apoio da
ACM de Porto Alegre/Brasil, Gaelzer passou um longo período nos Estados Unidos
(1919-1925) se qualificando em educação física, esporte e recreação. No
relatório escrito por Gaelzer, enviado aos diretores da ACM de sua cidade, com
data de 16/09/1919, o autor destaca que os 800 participantes dos cursos
ministrados pela YMCA, em Chicago, estavam reunidos pacificamente sob o mesmo
ideal. Os participantes desses curós, segundo Gaelzer, eram de 25
nacionalidades diferentes, sendo todos possuidores da mesma moral pura e sã
requerida pela ACM.
Muitos desses 800 participantes
deveriam ser latino-americanos, contribuindo de forma decisiva para a difusão
da recreação por diversos países da América Latina. Obviamente, muitas práticas
recreativas como os jogos e outras formas de diversão já existiam, mas nesse
momento, foram sistematizadas como parte integrante de um conceito de recreação
elaborado nos Estados Unidos.
É necessário esclarecer que, em suas
origens norte-americanas, a recreação dirigida foi vista como uma estratégia
educativa essencial para promover, sutilmente, o controle social. Nesse
processo, foi amplamente difundida a idéia de que a recreação poderia
preencher, racionalmente, o tempo vago ou ocioso com atividades consideradas
úteis e saudáveis do ponto de vista físico, higiênico, moral e social. Com
isto, a recreação foi considerada essencial para a formação de valores, hábitos
e atitudes a serem consolidados, moralmente válidos e educativamente úteis para
o progresso das sociedades modernas. Em um primeiro momento, o desenvolvimento
de eventos, políticas, programas e projetos recreativos foi, e muitas vezes
ainda continua sendo, direcionado principalmente aos grupos sociais em situação
de risco ou de vulnerabilidade social, procurando a redução de conflitos
sociais e da delinqüência, a manutenção da paz e da harmonia social, assim como
a ocupação positiva e produtiva do tempo ocioso.
Além disso, muitos programas de
recreação visavam preencher as horas vagas das crianças, jovens, adultos e
idosos, colaborando com a constituição de corpos disciplinados, obedientes,
aptos, produtivos e vigorosos. Nessa perspectiva a recreação, em muitas
ocasiões, acaba sendo usada como estratégia para esquecer os problemas gerados
pela lógica excludente que impera nas realidades latino-americanas. Por sua
vez, as diversas acepções da palavra recreação são fundamentadas na área de
pedagogia, psicologia e, sobretudo, na educação física. Essa última área, ao lado
do esporte, é a mais associada à recreação, tanto na vida cotidiana como nos
estudos, cursos, propostas da formação sobre o tema, campo de atuação
profissional no setor privado, nas organizações de terceiro setor e também no
âmbito das políticas públicas de vários países latino-americanos. 2
Recreação e Ludicidade
É importante entender que uma vivência
recreativa sempre será lúdica. Entretanto um elemento lúdico nem sempre faz
parte do universo da recreação.(6) Vamos entender melhor esta relação:
Lúdico, segundo Freinet (1998) pode ser
apresentado como:
(...) um estado de bem-estar que é a
exacerbação de nossa necessidade de viver, de subir e de perdurar ao longo do
tempo. Atinge a zona superior do nosso ser e só pode ser comparada à impressão
que temos por uns instantes de participar de uma ordem superior cuja potência
sobre-humana nos ilumina. (5 - pg.304)
Deste modo o lúdico não está
relacionado a uma vivência, dinâmica, experiência ou prática, mas a uma
sensação, a um estado de espírito, a uma condição humana. Podemos ter por
exemplo, uma parede lúdica, pelo simples fato desta parede transmitir a quem
olha uma sensação agradável, divertida, sedutora. Podemos ter em um cardápio de
um restaurante, pratos lúdicos, por sua apresentação colorida, criativa,
estimulante. Podemos, dentro da mesma linha de raciocínio ter um carro lúdico,
uma roupa lúdica, um livro lúdico, mesmo que estes elementos não criem uma
prática vivencial. Do mesmo modo podemos também ter jogos lúdicos, aulas
lúdicas, palestras lúdicas, programas de TV lúdicos, uma gestão lúdica de uma
empresa, etc... Deste modo o lúdico também faz parte do universo do lazer, do
entretenimento, da decoração, da arquitetura, da educação, entre outros.
Ao mesmo tempo o lúdico traça um
paralelo muito forte com a recreação uma vez que todo programa recreativo deve
ser, obrigatoriamente, lúdico!
Recreação e Lazer
A Recreação é
comummente apresentada de maneira ligada à área de lazer quase
como se o binômio “Recreação e Lazer” possuísse um significado único. Isto
talvez ocorra por ambas às áreas possuírem características comuns como o
componente lúdico, a busca da satisfação pessoal, a flexibilidade nas regras.
Mas recreação e lazer não estão restritos um ao outro, embora muitas vezes
encontraremos vivências que pertencem às duas áreas. (6)
Podemos apontar casos como a ação de
ler um livro, degustar um bom vinho, visitar uma exposição de pinturas, de
flores, ou de carros, ouvir música, ir a uma festa, conversar com os amigos ou
frequentar redes sociais,
entre muitas outras, que podem se caracterizar como atividades de lazer, sem
que sejam, por definição, atividades recreativas.
Igualmente podemos encontrar uma
gincana cultural ocorrendo em meio a uma aula escolar, um concurso de leitura, uma visita guiada a um museu,
um “outdoor training” gerencial de uma empresa, entre outras, que podem se
caracterizar como atividades recreativas, sem que sejam atividades de lazer.
O que diferenciam os estes exemplos
daqueles, é que os primeiros ocorrem em horários descompromissados, tempos
livres, disponíveis, onde não há tarefas obrigatórias por se fazer. São
atividades do universo de escolhas do indivíduo, onde ele participa, sozinho ou
em grupos, de atividades que escolheu por decisão própria e destituído de
qualquer compromisso financeiro, profissional, social ou educacional. Já nestes
exemplos recreativos, as atividades ocorrem dentro de um período que pode ser
ou não compromissado. Gincanas escolares, treinamentos gerenciais ocorrem
respectivamente em um horário determinado para a educação ou para o trabalho,
por exemplo. Não são horários de lazer. Mas podem também ocorre vinculados ao
lazer, de maneira voluntária e descompromissada. Neste caso o que diferencia o
lazer da recreação é que esta deve ser planejada, ser conduzida ou proposta por
um profissional, equipamento ou entidade recreativa, enquanto que aquela pode
ocorrer espontaneamente. A recreação é uma vivência intencional, existe um
objetivo em sua prática, e este objetivo deve ter sido elaborado por um
profissional competente para tal. Este objetivo pode ser intelectual,
emocional, social, assim como pode ser a diversão, o entretenimento por si só.
Silveira (2011) observa ainda em
relação ao lazer a necessidade do levantar os aspectos do dito “lazer ilícito”
que está relacionado à práticas ilegais sob ponto de vista da legislação de um
determinado país. No Brasil, por exemplo, o uso de drogas, rachas de
automóveis, rinhas de animais, prostituição, jogos de azar, entre outros, são
práticas de lazer consideradas ilegais. Apesar de proibidas pela lei do país,
são amplamente realizadas por indivíduos, individual ou coletivamente, em todo
o território nacional. Estas práticas são voluntárias, ocorrem em um momento da
vida não comprometido e visam o prazer do participante, o que caracterizam
atividades típicas de lazer. Não entraremos aqui em uma discussão moral, ética,
política ou legal. Gostariamos porém de apresentar que este caráter ilícito não
permite a caracterização de tais práticas como recreativas, uma vez que não
condizem com a proposta de crescimento individual ou social, de revigorar das
forças, de revitalizar, que são característicos do trabalho recreativo.
Igualmente se tornam incopatíveis com a necessidade de objetivos elaborados por
um profissional, que também é essência do trabalho recreativo. Como pode um
profissional idealizar, planejar e implementar uma proposta ilicita?!
Recreação e Ócio
Já o vínculo do ócio com a recreação já se apresenta de
maneira mais truncada.
Embora o termo “ócio” possa apresentar significados diferentes
em outros idiomas e países, no Brasil é geralmente relacionado ao não fazer
nada, ao descanço, à contemplação, até mesmo àpreguiça. Está intimamente ligada ao lazer e
a opção pessoal pela não atividade, contando com um investimento de tempo em
momentos mais intimistas.
Deste modo, é raro vermos profissionais
planejando a recreação baseada predominantemente no ócio. Apesar disto,
momentos de contemplação, reflexão, relaxamento e descanço fazem parte de
muitos programas recreativos, comtemplando o vínculo destas áreas de estudo.
(6)
Recreação, Atividade Física e Esporte
A recreação teve como um de seus berços
a Educação Física e talvez por isto ela hoje ainda se encontre tão relacionada
às atividades físicas e aos esportes. Entretanto estas relações também não são
umas de suas limitantes. Pelo contrário, tanto esportes, como o futebol,
voleibol, baseball, etc, como atividades físicas, como correr, pular, lançar,
chutar, etc, sempre se apresentaram como grandes elementos que compõem a
prática recreativa, juntamente com a música, a dança, as artes em geral, a
preservação ambiental, as bases terapêuticas, o convívio social, o relaxamento,
a contemplação, a linguagem, entre outros assuntos de grande importância para o
contexto recreativo.
Disto, podemos dizer que também o
esporte e a atividade física fazem parte do universo da recreação, assim como a
recreação muitas vezes faz parte do universo dos esportes e da prática física,
sem, no entanto, se caracterizarem como áreas comuns (mas sim afins). (6)
Recreação, Jogo e Brincadeira
Assim como o esporte e a atividade física,
o jogo e a brincadeira representam parte importante
do escopo da recreação, mas esta não se basta naqueles.
O jogo é estratégia importante para
alguns momentos onde se visa o trabalho com regras, o desenvolvimento coletivo,
o desempenho em equipe, o aprender a ganhar ou perder, entre outros conteúdos
recreativos.
A brincadeira por sua vez se incorpora
com constância na recreação, por seu contexto lúdico e divertido.
Entretanto existem jogos não
recreativos, como as competições esportivas e os jogos de azar, por exemplo. Assim
também existem brincadeiras que não são recreativas como a brincadeira de
satirizar um amigo, as brincadeiras de “mau gosto” como “passar o pé” no colega
de sala, colar um bilhete nas costas de um colega com frases negativas, entre
outras. (6)
Referência Bibliográficas
·
SCHWARTZ, Gisele Maria, Recreação e Lazer, Editora Guanabara Koogan, Rio
de Janeiro, 2004.
·
MARINHO, A. - A educação ao ar livre e o aprendizado sequencial:
possibilidades de vivência na natureza, CONBRACE - Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte, 13, Caxambu (MG), Anais... Caxambu, 2003, CD-ROM
·
MARINHO, A - Atividades recreativas e Ecoturismo: a natureza como
parceiraa no brincar, (capítulo de (1))
·
UVINHA, Ricardo Ricci, Atividades Recreativas e Turismo: Uma relação de
qualidade, (capítulo 2 de (1))
·
FREINET, Célestin. A educação do trabalho. 1ª ed. São Paulo-SP :
Martins Fontes, 1998;
·
SILVEIRA, Ronaldo Tedesco. O profissional da Recreação. Recreação
Magazine, ISSN 2179-572x, disponível em <www.recreacaomagazine.com.br>,
acesso em 10 jan 2012.
·
CELEIRO. Recreação. disponível em <www.projetoceleiro.com.br>
acesso em 10 jan 2012.
·
GOMES, C., ELIZALDE, R. Horizontes Latino-americanos do Lazer/Horizontes
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